A publicação de uma série
de cartas confidenciais do papa Bento 16 sobre temas como as intrigas do
Vaticano e os escândalos sexuais do padre mexicano Macial Maciel, provocou o
maior agito na Itália diante de um vazamento de informações sem precedentes. Um
resumo do livro, que estará à venda no sábado em toda a Itália com o título
"Sua Santidade, cartas secretas do Papa", escrito por Gianluigi
Nuzzi, autor do best-seller "Vaticano SA", sobre as finanças da Santa
Sé, foi publicado nesta sexta-feira pelo jornal "Il Corriere della
Sera".
Baseado em cartas confidenciais destinadas ao papa Bento 16 e ao
seu secretário pessoal, Gerog Gaenswein, o livro descreve manobras e
confabulações dentro do Vaticano e inclui relatórios internos enviados para o
Papa sobre políticos italianos como Silvio Berlusconi e o presidente da
República Giorgio Napolitano. Também relata os confrontos com a chanceler alemã
Angela Merkel sobre aqueles que negam o Holocausto, e as confissões do
secretário do fundador da Congregação Mexicana Legionários de Cristo, Marcial
Maciel, acusado de abusar de crianças e de ter uma vida dupla com duas esposas
e filhos.
Nuzzi teve acesso, possivelmente através de funcionários da
Secretaria de Estado, a centenas de documentos, incluindo alguns que levam o
selo "Reservado", que foram elaborados pelo mesmo secretariado. Este
é o maior vazamento de documentos na história recente do Vaticano, que até
agora não se pronunciou oficialmente sobre o assunto. Entre as informações
vazadas, figuram diretrizes específicas para tratar de questões com o Estado
italiano por ocasião da visita presidencial em 2009. "Devemos evitar
qualquer equivalência entre a família fundada sobre o matrimônio e outros tipos
de uniões", diz o texto.
De acordo com trechos publicados pelo "Il
Corriere della Sera" no suplemento especial "Sette", o
secretário do papa recebeu por fax todos os detalhes do chamado "escândalo
Boffo", a operação para desacreditar o editor do jornal
"Avvenire", jornal da "Conferência Episcopal italiana",
mediante acusações falsas de assédio homossexual e homossexualidade contra o
jornalista Dino Boffo. Tais cartas resumem o clima recente de guerra ocultada
pelo poder dentro do governo central do Vaticano, a influente Cúria Romana, que
minou a credibilidade da Igreja.
O nome do atual secretário de Estado, o
cardeal Tarcisio Bertone, mão direita do Papa e número dois da Santa Sé, está
presente em muitos dos documentos e é afetado de forma negativa, sendo possível
que o livro seja uma operação midiática para atacá-lo. O jornal italiano
"Libero" também publicou comentários sobre o livro. Nuzzi chegou a
comentar sobre o difícil ano vivido com os "corvos" do Vaticano, que
lhe passaram os documentos entre "silêncios, longas esperas e precauções
maníacas". O jornalista confessou que
não manteve mais contato com este "grupo informal" de informantes
desde que o Papa nomeou uma comissão de inquérito, em março passado, para
investigar os vazamentos, conhecidos como "Vatileaks".
O Vaticano anunciou neste sábado que
levará à Justiça os autores do vazamento de documentos reservados e cartas
confidenciais ao papa Bento 16 e outras autoridades da Santa Sé, cuja
publicação classificou como "ato criminoso". "A nova publicação
de documentos privados do Santo Padre e da Santa Sé não é somente difamatória,
mas assume claramente o caráter de um ato criminoso", informa o Escritório
de Imprensa vaticana em comunicado, após o lançamento na Itália do livro
"Sua Santità" (Vossa Santidade), do jornalista Gianluigi Nuzzi, com
novos textos que revelam tramas e intrigas no Vaticano. Na nota, o Vaticano
afirma que o vazamento violou os direitos pessoais de privacidade e liberdade
de correspondência de Bento 16, seus colaboradores e as pessoas que lhe
enviaram as mensagens. O comunicado indica que a Santa Sé continuará
investigando "sobre esses atos de violação da privacidade" do
pontífice, como pessoa e também como Autoridade Suprema da Igreja Católica e do
Estado da Cidade do Vaticano. "A Santa Sé dará os passos oportunos para
que os autores do roubo, da chantagem e da divulgação de notícias secretas,
assim como do uso comercial de documentos privados, ilegitimamente obtidos,
respondam seus atos na Justiça", ressalta. O Vaticano não descarta,
"se necessário", pedir a colaboração internacional para investigar o
incidente.
O livro "Sua Santità" compila uma centena de documentos
reservados e cartas confidenciais ao papa e a seu secretário sobre temas como a
cessação da violência anunciada pela organização terrorista ETA em outubro de
2011 e a cobertura que se deu no Vaticano ao fundador dos Legionários de
Cristo, o falecido sacerdote mexicano Marcial Maciel, afastado de suas funções
por Bento 16 devido ao escândalo que o envolveu por pedofilia. Outros
documentos se referem a "notas reservadas" sobre o presidente
italiano, Giorgio Napolitano, prévias a um encontro que o líder manteve com o
papa, e relatórios confidenciais relativos à defesa do ex-primeiro-ministro
Silvio Berlusconi no caso Ruby sobre suposta prostituição de menores. O livro
chega a revelar inclusive o número de conta aberta por Bento 16 no IOR, o banco
vaticano, no dia 10 de outubro de 2007. Estes novos documentos se somam aos
publicados recentemente pela imprensa italiana, entre eles uma carta enviada ao
papa pelo atual núncio apostólico nos EUA, arcebispo Carlo Maria Vigano, que
alertava sobre a "corrupção, prevaricação e má gestão" na
administração vaticana.
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