sábado, 1 de outubro de 2016

Jornalista Baby Garroux: Hoje no Estadão, Ignácio de Loyola Brandão, meu amigo, meu irmão, meu prefaciador, meu tantas coisas em muitas vidas.... Lembrou, trouxe uma parte do que vivenciamos... Algo muito forte que ainda habita nosso Ser.....



Loyola sim, me conheceu de perto, me trouxe pra Última Hora onde tivemos aula de jornalismo com Samuel Wainer, tempo bom... De lá pros Diários Associados, muito mais que minha casa.... Outra grande parte de minha jornada..... Anos e anos....

Sai pra casar com José Loureiro Neto, Jucão, e ver nascer nossas filhas até ele nos deixar partindo tão cedo pra outro Universo.... Voltei pros Diários e fiquei até fechar....

Lô constituiu família. Eu também. Nos reencontramos vez ou outra pelos rumos da vida. Nos fazemos existir sem separações.... Ele me chama atenção pra crônica de hoje (30/09) que gostaria de dividir com vocês, companheiros dessa etapa que estou vivendo.....

"Velhice, o álbum em que as figurinhas desaparecem"....

Por que certas coisas demoram a acontecer e subitamente tudo se resolve”? Há pontos que a vida traça que parecem acasos, mas têm sentido.

Há um mês, André Galvão de França, me ligou, queria que eu participasse do 5o Hilda Hilst, Festival Literário de Jaú, promovido pela Secretaria de Cultura e Turismo. Hilda nasceu naquela cidade. Terminado o telefonema, subi a uma estante para apanhar o delicioso livro de Marcos Kirst 'Eu Queria que Você Soubesse', bati com o cotovelo num bloco de livros e vi despencar o romance Jó, de Nilsen Kuntz Navarro, da Academia Jauense de Letras, lançado em 1964.

O livro, como o biscoito de madeleine proustiano, me remeteu imediatamente à Anna Candida, filha de Nilsen, que me deu o volume 52 anos atrás, quando a ela fui apresentado por Baby Garroux, cronista social das páginas de Bauru no jornal Ultima Hora.

Eu era aqui o editor dos cadernos do interior. Anna, por sua vez, escrevia a coluna ‘Benzérrimos Acontecem’ no Comércio de Jaú, junto com a irmã Anna Célia. O termo ‘Gente Bem’, criado por Jacinto de Thormes, era usado por todos. Começou ali a amizade que nos levou a cartas frequentes entre Jau e São Paulo, Anna Candida e eu. Duas, três por semana. Eu lia os textos dela, comentava, contava como um jornal funcionava em São Paulo, comentava peças, filmes, shows, ela vinha a São Paulo com a família, saiamos. Ela era interessada, queria aprender, crescer. Fomos nos aproximando. 

Anna Célia, Anna Candida e Anna Keyla, três irmãs, eram mitos do interior. Altas, belíssimas, entravam e tudo parava. Os rapazes (como se dizia) de toda a região, que se “achavam”, faziam caravanas para os bailes de Jaú (sem o H) para tentar uma paquera, um flerte, uma dança, ganhar um olhar, um sorriso – e o de Anna Candida era um esplendor - tomar Cuba Libre ou Hi-Fi com as Kuntz Navarro. Elas alimentaram sonhos, provocaram ilusões, permaneceram nas memórias.

As cartas cresceram de tom, tornaram-se pessoais, ela ia me controlando, na sabedoria feminina de dar linha, segurar, conter, dar mais trela. Jogo sutis. Então mudei-me para Roma, deixei o jornal, fui para a revista Claudia, a vida mudou, as cartas sumiram. Nunca mais vi Anna Candida. Perdeu-se no tempo e no espaço, desapareceu. Décadas se passaram, sabia por alto que tinha ela se casado com um americano, morava nos Estados Unidos. Nada mais. O telefonema e o livro que despencou me trouxeram a imagem daquela mulher que tinha me impressionado tanto. Como ela seria agora? Teria o mesmo sorriso, a pele branca, o jeito altivo e sensual, os olhos negros ainda brilhavam? Saberia que me tornei escritor? Teria lido algum dos meus quatro romances traduzidos nos Estados Unidos? Daquele nosso breve romance (teria sido um romance, ou apenas piração, fantasia minha?) de juventude restaria algum traço, pequena luz, um cheiro, uma frase? Teria guardado uma carta das nossas? Tenho muita curiosidade em imaginar o que a vida teria sido, não fosse o que é.

Quando o carro da Secretaría que me levou para o 5o Hila Hilst, semanas atrás, entrou na cidade, olhei a placa da rua e estremeci: Caetano Pereira. Não, não era acaso. Era este o endereço para o qual eu enviava duas ou três vezes por semana as cartas para Anna Candida. Daqui saiam as destinadas a mim. Qual era o número, meu Deus? Queria ver se a casa ainda existia, qual o jeito dela. Ansia de recuperar o tempo. O número não me veio.

Naquela mesma noite, depois da palestra para 400 professores, nos reunimos na Choperia Jardins, Renato Dal’Bó (que tem pronto belo livro, Proesias), André Galvão, Lea e José Renato Almeida Prado – que mantêm uma editora na cidade, vejam só, chamada 11 Letras, com ousadia e coragem.

Entre chopes e bolinhos de arroz, linguicinhas e queijos, a conversa rolou, as irmãs Kuntz Navarro vieram à tona, eles ouviram minha indagação: E Anna Cândida? Ninguém sabia nada. Sugeriram que tentasse contacto com Celso, irmão das três, empresário, no Rio de Janeiro. Veio um clarão. Anos atrás, Celso tinha me enviado um e-mail. Voltei a São Paulo, entrei na Cloud-Nuvem, (aquilo que Dilma não sabia o que era) e resgatei o endereço. Escrevi e na mesma noite depois veio a resposta:

“Anna Candida. Não mais a veremos. Foi para Nova York trabalhar na Camargo Corrêa, em 1972. Viajou, casou-se, foi para Dallas, teve duas filhas, mudou-se para Honolulu, sofreu imensa decepção amorosa. Foi murchando, murchando. Descobriu um câncer no pâncreas (o mais letal). Tentou tratamentos, tudo. Foi mirrando, acabando, sua voz ao telefone cada vez menor. Tristíssima, mas sempre com fé que algo melhor, pós vida, a esperava. Tinha certeza. Era ela que consolava quem a tentava consolar. Em janeiro de 2015, aos 70 anos, partiu para a mais longa viagem que fazemos” ​.

No final da semana passada, conversei com meu primo irmão, Zezé Brandão, mais irmão do que primo, confidente, o melhor escritor da família. E ele, naquele sol araraquarense que se punha: “Vamos colecionando lembranças, gente querida que passou por nossas vidas, marcou, deu adeus e se foi. Às vezes nos lembramos delas - um gesto, uma gargalhada, um jeito de olhar, uma particularidade que cada uma tinha; então vem uma espécie de carinho à tona, uma saudadezinha boa e meio dolorida, talvez de nós mesmos, de quem fomos, de tempos que nem lembramos se foram ou não bons (na nostalgia, na melancolia, na súbita falta que nos fazem, parecem ter sido). Deve ser isso a velhice: um álbum em que as figurinhas vão desaparecendo uma a uma. Nos quadradinhos vazios, colamos as ausências. E quando o folheamos – e cada vez o folheamos mais – lá estão todos os fantasmas do nosso passado, jovens, sorridentes e felizes como também éramos. É, amigo, mais e mais tenho a consciência de que nossas figurinhas ocuparão os espaços a elas reservados nas moldurinhas das ausências. Só que aí já não abriremos mais o álbum da memória.”

PS: Meu show com Rita Gullo mudou-se para às 18 horas, todo sábado, no Teatro Eva Herz, Livraria Cultura, Conjunto Nacional.

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