..... Claro que prefiro ler
e ouvir o Jabor em suas peripécias jornalisticas:
“Que saudades vou ter do
Leleco, do Tufão, das peruas do subúrbio, gritadeiras e barraqueiras, que
saudades da dupla de atrizes geniais apaixonadas pelo ódio, Carminha e Rita
(não esqueço dos rugidos de fera de Adriana Esteves, desde o dia em que ela
‘comeu’ literalmente o Tufão pela primeira vez, como se fosse um bicho
devorando-o com a boca), da Ivana, da grande Zezé e Janaina e principalmente do
Max, o nosso Maxwell, o famoso malandro-agulha, finalmente retratado na TV
('malandro-agulha', sabe-o Joaquim F. dos Santos, é aquele que "toma no
buraco, mas não perde a linha...").
Essa novela é um buraco
novo na teledramaturgia. Partiram para fazer uma novela ‘para’ a classe C e
tudo acabou virando uma novela da classe C para o País todo. Não é uma trama
feita ‘para’ o subúrbio; é o subúrbio e seus personagens que fizeram a novela,
criando uma espécie de realismo crítico em que os heróis não são mais
comandados pela ideologia dos autores, como objetos de um folhetim ‘social’,
como fazia a velha ‘arte engajada’.
A chamada arte social de filmes e livros
tratava de excluídos ou de suburbanos como um conceito geral e sua intenção era
‘conscientizá-los’ sobre sua ‘alienação’, como os autores decidiam. Aqui, não.
O subúrbio finalmente apareceu na TV, sem folclore e sem ideologias. Eu fui
criado no Rocha, na antiga Rua Guimarães, atual Alm. Ary Parreiras e sei do que
falo. Claro que não é só aquela ilha de solidariedade que a novela mostra, mas
tem, sim, um clima brasileiro vivo, uma doçura na precariedade de seus moradores
que não há na zona sul. Aqui, os heróis são sujeitos da ação. E o resultado foi
incrível, porque descobrimos maravilhados que o universo C é muito mais rico em
revelações de comportamento sobre a vida brasileira do que a mortiça ZS, sem
vizinhos, sem fofocas. Nelson Rodrigues dizia que "a novela mata nossa
fome por mentiras", mas essa novela matou nossa fome de verdades.
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Juliano Cazarré, show a parte |
Avenida Brasil parte do
melodrama, claro. Ou melhor, de uma rede de melodramas interligados como uma
grande paródia do próprio melodrama, uma paródia dessa tradição desprezada, mas
tão rica na história do teatro. Ao final do século 19, as novas propostas
estéticas que surgiam entre elas o naturalismo, acabaram negando muitas das
formas superutilizadas do melodrama, que foram consideradas antinaturais. Isso
disseminou um valor negativo a tudo que fosse considerado melodramático, que se
tornou sinônimo de interpretações e enredos exagerados, antinaturais. Aliás, a
música comentário que sublinha dramaticamente a ação, muito usada nos melodramas,
foi muito bem utilizada nessa novela, indo de momentos bregas a homenagens a
Bernard Herman e até a acordes minimalistas.
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Zezé e Janaina, maravilhosas |
Em geral, as novelas têm um
núcleo principal cercado de coadjuvantes por todo lado; essa, não. Todos são
importantes, todos têm uma psicologia original compondo um vasto painel de
personalidades; não há tipos – todos são personagens. Por exemplo, o Adauto,
que começou como um bobão lateral acabou crescendo para um cara com ecos até
‘shakespearianos’ do bufão ou do louco que comenta a ação dos principais, assim
como as empregadas também cumprem o papel de ironizar o que vai acontecendo na
trama central.
Outra coisa legal na
Avenida Brasil é que a narrativa, o 'raconto', não é pré-fabricada desde o
início. Deu-me a impressão de que os acontecimentos dramáticos iam puxando
outros, como se João Emanuel gostasse de se meter em encrencas insolúveis para
depois resolvê-las. Isso gerou também um clima solto e improvisado, cheio de ‘cacos’
em que atores como Marcos Caruso, Eliane Giardini e José de Abreu se
esbaldaram, criando em muitos momentos um ambiente de ‘cinema verdade’, com
todo mundo falando ao mesmo tempo, sem a alternância antiga da pergunta e
resposta.
Um filme almeja sempre um
sentido final, uma conclusão qualquer, em duas ou três horas. Um seriado ou uma
novela como essa participam de uma nova forma de arte dramática: a vida real em
sua casa, acessível imediatamente como o Facebook ou um Instagram – a cara do
nosso tempo, sem finais claros, sem tendências fechadas, sem conclusões.
Durante meses ou anos (Sopranos,
Lost, Mad Men), a gente se afeiçoa às personagens, como se vivêssemos lá
dentro, como se fôssemos parte da família. A direção de Amora Mautner, José
Villamarin e seus codiretores é excepcional porque, com uma trama tão rica, que
mistura desde a chanchada até momentos trágicos, eles puderam usar recursos de
cinema e fotografia que vão de filmes de suspense até ecos de Tarantino.
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A tão esperada cena |
Esta produção da TV coloca
‘lixão’ de um lado e zona sul do outro, mas nunca faz denúncias sociais ou
mostra contradições de um maniqueísmo fácil. E justamente essa recusa ou
ausência de ‘mensagens’ torna a obra extremamente, não direi 'política', mas
enriquecedora do imaginário brasileiro, incluindo conceitos e comportamentos
esquecidos ou ignorados pela dramaturgia nacional. Merece um sério estudo
antropológico que a antropóloga Ivana podia fazer...
Esta novela é parte
importante da cultura brasileira atual, para longe dos esnobismos estetizantes.
Vejo que aqui e no mundo audiovisual nasce uma nova arte de massas, um
barroquismo digital e pós pós que não busca mais a realização de um sentido,
mas uma convivência entre ficção e realidade. Há vários anos a gente analisava
a ‘importância’ de uma obra de arte, para além de sua aura poética. Buscávamos
alguma coisa que ajudasse a ‘mudar’ contradições e desse mais harmonia e
sentido para a vida social. E agora?
Bem, essa novela foi vista
por cerca de 80 milhões de pessoas durante meses e isso a torna não apenas uma
ficção sobre nós. Ela faz parte de nossa realidade. “......
Falou e disse
Jabor... você é tudo de bom....
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