Lauro César Muniz, aos 74, deu
entrevista à repórter Anna Virginia Balloussier da Folha de São Paulo. No
apartamento da Bela Vista, em
São Paulo , onde vive há oito anos com sua quarta mulher, a
atriz Bárbara Bruno, 56.... Falou de seu último "fracasso" ("não
vou usar eufemismo, é fracasso mesmo") a novela "Máscaras", com
média de cinco pontos de audiência na Record --um terço do esperado. Ele está
de cabeça feita: nunca mais fará novelas.
"Nós [autores dos anos 70/80]
estamos cansados. Ninguém quer mais fazer novela. Já fizemos tudo. E minha
geração já morreu. Quem está vivo não está trabalhando, o Benedito [Ruy
Barbosa, 81]... Manoel Carlos [79] tem feito alguma coisa."..... "É
muito difícil que um autor da minha idade consiga vislumbrar alguma coisa
interessante", afirma. "Por mais que tente se reciclar, ele vai até
um certo limite. Tô esperando que os jovens façam."....
A "Avenida
Brasil", diz, "cai numa série de clichês, bastante improváveis, como
patroa virar empregada e empregada virar patroa. Não é uma nova forma, é um
clichezão. Acho chato. O enredo não reflete a nova classe média. A classe C
ascendeu através dessa troca? Essa ideia não cola."
“Minha geração,
diz, era bem mais contundente e arrojada. Nós disputávamos formatos novos. Em
1976, [o dramaturgo] Dias Gomes fez 'Saramandaia', realismo fantástico. Pessoas
voavam, gordos explodiam, formiga saía pelo nariz. Fiquei imediatamente
desafiado. 'Pô, vou fazer um treco louco também!' Fiz 'Casarão', contada em
três épocas. Daniel [Filho, diretor da Globo] arregalava o olho. Era maluca no
sentido de desafiar a lei da gravidade..... Hoje, não é assim. A culpa é
nossa", diz. "Anestesiamos o público, que quer ver sempre as mesmas
coisas."
As emissoras se acomodam.
"A Record não faz sombra à Globo.
A TV Tupi [extinta em 1980] fazia muito mais..... Sinto uma
letargia.... Os diretores das TVs não são artistas ou são
ligados ao mundo financeiro, como o Manoel Martins [diretor de entretenimento
da Globo] e o Hiran Silveira [da Record]. Estão mais preocupados com orçamento
do que com aspectos artísticos".
Desconfia do Ibope.
"Será que não é bom ter outro instituto, outra medição? Antes, olhava pros
números e gritava: 'Mea culpa, mea culpa'. Hoje, olho e penso: quem está manipulando
isso?"
A decisão de pôr fim à
carreira na teledramaturgia foi tomada antes da estreia de
"Máscaras", em
abril. O que mais o incomoda, agora, é "a sensação de
que estou abandonando tudo por causa dessa novela. Pelo contrário. Dá até
vontade de fazer mais uma, só por revanche.... Sempre disseram: os
30 anos mudam sua vida, são uma fossa. Não senti nada. O início da maturidade
aos 40? Nada. Com 60, todo mundo fala que é o começo da velhice. Passei
leve.... O problema começou aos 70.... Aí, a brincadeira muda. Você olha
pra frente: 'Com muita sorte, tenho mais dez anos de vida útil'. Pesa. Não vou
mais fazer novela por isso. Não dá mais, essa perda de tempo."... Entre os
novos projetos, uma parceria com o amigo Daniel Filho para uma minissérie e um
filme sobre Getúlio Vargas --que poderiam ser exibidos na Globo, de onde ele
saiu brigado em 2005. Um problema é seu contrato com a Record, que vai até
2013.
Mais adiantada está a peça
sobre um desembargador aposentado. Também tem planos de escrever um filme sobre
paulistas que lutaram contra a ditadura. Entre eles, José Dirceu, com quem
jantou recentemente, "numa excelente noite regada a vinho". Às
vésperas do julgamento do mensalão, o ex-ministro recebeu o conselho de
escrever uma autobiografia "expondo as vísceras, uma prestação de contas a
quem ainda acredita nas boas intenções dele, como eu".
Lauro César tinha cerca de
30 anos, já era formado em engenharia pelo Mackenzie e vinha do
"partidão" (PCB) quando foi comandado por Dirceu em passeatas. "O
Zé era galã! A gente o via como um Che Guevara brasileiro. Era o namorado das
estudantes de esquerda."
Mostra fotos arquivadas no
computador. Numa delas, divide o palco com Caetano Veloso e Gilberto Gil em
protesto no teatro Ruth Escobar. Diz que acabou na TV porque "não dava
para fazer teatro, a censura impedia".
Ele aponta como erro seu na
novela "Máscaras" mistérios que se prolongavam demais, como o da protagonista
sem nome vivida por Paloma Duarte.....Em três meses desde a estreia, a trama
mudou de diretor uma vez e outras tantas de horário. Chega a entrar no ar perto
da meia-noite. Concorre até mesmo com outro trabalho de Lauro César: a reprise
da minissérie "Chiquinha Gonzaga" (1999) na TV paga.
"Só 'A Fazenda' dá
audiência na Record. Aí pergunto: minha novela não estaria sendo vítima disso
tudo? Ou foi ela que provocou essa hecatombe? Acho que não."
Na vida, já pôs fim a três
casamentos, que lhe deram quatro filhos. Um deles morreu em 1992, após se
viciar em drogas e contrair Aids.... Virar a mesa depois de 46
anos de teledramaturgia "assusta um pouco". Mas ele vai em frente.
"Tenho vontade de fazer mais coisas, viajar. Escrever novelas é uma
prisão."
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